DA MEDIUNIDADE E DA MÍSTICA

I Congresso Lusófono de Ciência das Religiões Simpósio Temático: Práticas e Processos de Auto-Conhecimento
DA MEDIUNIDADE E DA MÍSTICA
O Experienciar a ligação ao Divino ou a outros Planos/Dimensões, como meio de Auto-conhecimento e Desenvolvimento Espiritual
Paulo Maia
LIMMIT-FML
Resumo
Cada vez mais as pessoas estão interessadas em expandir a sua consciência espiritual, e desvendar o sentido da sua própria existência e missão na vida.
Não como uma pergunta ocasional, ocorrente na adolescência, e que depois a competição pelos recursos materiais na vida adulta faz submergir, até um eventual ressurgimento numa idade mais avançada e estabilizada, mas sim, como uma ligação longitudinal deliberada e regular a uma fonte de possibilidades, que ao mesmo tempo que nos desliga da quotidianidade e transporta para um outro tipo diferente de perceção numa Realidade mais vasta, nos permite retornar mais serenos e capazes, com uma melhor funcionalidade social.
Seguindo este objetivo, neste artigo explorar-se-á algumas práticas dentro do Misticismo, que atravessa todas as grandes religiões, nomeadamente a Igreja Católica, mas também a Igreja Espiritualista, com suas técnicas de desenvolvimento transliminar.
Palavras-Chave: Transliminar, Mística, Espiritual, Realidade
Abstract
Nowadays many people are interested in expanding their own spiritual consciousness and unveil the meaning of their own existence and life mission. Not as an occasional adolescent hood question to be forgotten afterwards, submerged amongst the adult life competition for material resources, until a possible resurgence at a later and more stabilized age, but as a volunteer regular longitudinal connection towards a source of possibilities which, as it disconnects us from the everydayness and transports us to a different perception of a more vast Reality, allows us to return more serene an capable, with a better social performance. Following this endeavor, this article will explore some practices within Mysticism that cross the biggest religions, namely the Catholic Church and also the Spiritualist Church with their techniques of transliminar development.
Key-words: Transliminar, Mystic, Spiritual, Reality
Licenciado em Psicologia da Saúde e Mestre em Psicossomática LIMMIT – FML maiapaulo@netcabo.pt
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Introdução
Acreditar é dar crédito a algo que admitimos ser verdade, devido à confiança que temos no transmissor. Tal como um filho confiante no amor de seu pai, se vai subtrair a várias experiências que implicariam tentativa e erro, e sem desperdiçar tempo, confia nos roteiros que aquele lhe apresenta.
Nós, porque em matéria de espiritualidade, o único Pai é o Absoluto, numa atitude algo mais cética, em que não aceitamos nenhuma crença, mas apenas vivências diretas, pretendemos participar do amor que permeia a experiência da Realidade, em vez de simplesmente acreditar nele (independentemente da credencialidade dos seus reconhecidos advogadores).
Além das que apresentaremos, sabemos que existem mais formas religiosas de experienciar o divino ou o transcendente duma maneira direta, i.e. sem termos de nos limitar à sua suposta existência, através da mediação do “simbólico”, como na grande maioria dos cultos institucionalizados. E mesmo quando apresentamos as formas religiosas, a nossa base de entendimento delas é estrategicamente filosófico e nunca doutrinador, pois o objetivo é extrair-lhe a essência, purgada de dogmatismos, com vista à praxis. Poderíamos até abordar o xamanismo amazónico e as religiões do Santo Daime brasileiras, que mediante a ingestão de um enteógeno natural, permitem em cada celebração mergulhar profundamente e quase que impreterivelmente, nos confins dos subconscientes individuais e coletivo. Mas para o presente trabalho, optamos por métodos psico-fisiológicos, suscetíveis de praticar na nossa cultura e em sintonia com a mesma.
O projeto proposto neste artigo que serve de base a uma apresentação no I Congresso Lusófono de Ciência das Religiões dentro do Simpósio com o tema Práticas e Processos de auto-conhecimento, com o nosso subtítulo “O Experienciar a ligação ao Divino ou a outros Planos/Dimensões, como meio de Auto-conhecimento e Desenvolvimento Espiritual” surgiu do exercício de técnicas adaptáveis mas alicerçadas em conhecimentos consagrados do que é uma busca vivencial dum lugar de conhecimento paralelo, ligado à intuição e ao sentir (anterior mais do que oposto, ao do raciocínio lógico prático e imediatista). Busca esta que não se faz com o objetivo de nos alienarmos da “luta” diária, mas sim de nos reforçarmos para ela, e de simultaneamente apercebermo-nos dum Quadro Maior (ing. The Bigger Picture) do que o que o nosso ego centralista concebe, mas onde ele está inserido, e onde tudo o que nos envolve e transcende nesse envolvimento tem mais sentido. Tal como refere Mário Simões (ed.2003), sem que as duas Perceções (uma egóica, outra Transpessoal) se atropelem. Ou como Madre Teresa de Calcutá dizia “Quando oras, ora como se tudo dependa de Deus, mas aquando na hora de agir, age como se tudo dependesse de ti”. I.e. na consciência quotidiana de sobrevivência e limitada do ego atuamos como plenos responsáveis por toda a nossa ação, nos momentos de ligação à Fonte (que se pretende serem determinados voluntariamente) relaxamos e pomos toda a nossa confiança numa Verdade que transcende a nossa compreensão, mas onde nos inserimos e aceitamos como mais sábia e justificada.
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Uma das técnicas que temos vindo a incrementar são os Círculos de Desenvolvimento Transliminar, a qual será abordada posteriormente (foi estruturalmente adaptada da Igreja Espiritualista, mas no nosso caso, liberada da sua filiação doutrinária ou religiosa). Apresentando-se como uma atividade organizada, com o propósito de investigação vivencial e crescimento, numa área até agora limitada ao campo das Crenças. E ainda que respeitando estas, e o quão mais variáveis elas possam ser, defendemos essencialmente a liberdade pessoal de cada um em elaborar o seu próprio entendimento espiritual. Quer se entenda que o contacto com uma dimensão mais vasta e próxima da Realidade, possa implicar a busca de Sabedoria com entidades autónomas; forças arquetípicas; ou com materiais mais recônditos do nosso talentoso Subconsciente pessoal; ou mesmo com o Deus imanente em cada um.
Tal como diz Krishnamurti (ed.1999) – Para descobrires a mais elevada Realidade que o Homem designa por Deus, deves estar livre de crenças, livre de toda a autoridade, só então Ele se te revelará.
Com este propósito, dividiremos o presente artigo com as seguintes partes:
- Um apanhado geral e integrado sobre o Misticismo, onde exporemos possíveis formas que este possa abranger, mas sempre focados no que é essencial e comum às várias religiões por onde ele diagonalmente atravessa. Sendo que a vertente católica, por ser a nossa tradição mais imediata, mas também pela sua riqueza alcançada (apesar da tolerância conflituosa da Teologia Oficial) tomará uma especial incidência.
- Segue-se uma exposição sobre a Mediunidade à luz da Filosofia doutrinal do Espiritualismo, segundo as igrejas espiritualistas de origem anglo-saxónica, que muito embora não possa ser classificada como mística (contudo é-o tendencialmente), pois já assenta numa base dualista conceptual, i.e. foco inicial na pluralidade da criação (na multiplicidade e não no Uno) e no pensamento processado através de opostos (porém, é monista ao nível substancial, i.e. não há matéria vs espírito), como aliás o são, praticamente todas as religiões em sua vertente mais secular e Institucional. A importância desta escolha foi devida ao contributo das suas técnicas de desenvolvimento Transliminar (chamadas no contexto desta como de Mediunidade), em termos de organização e funcionamento (mesmo de alguns pressupostos base) para lá até do seu substrato ideológico (que já de si é muito mais impulsionante e esperançoso que outras religiões que abordam a mediunidade).
- Abordaremos de seguida Técnicas de Desenvolvimento Transliminar. Uma vez já expostas as duas bases teóricas subjacentes à origem destas, mas agora duma maneira varrida de qualquer condicionalismo subjacente a qualquer crença em particular, pois pensamos que qualquer discernimento à posteriori sobre o resultado do objetivo que se quer fundamentalmente experiencial e vivencial à priori, deve ser à medida de cada pessoa, e não de acordo com interpretações alheias importadas.
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- Finalmente, terminaremos com as Conclusões do trabalho, com o desejo de podermos contribuir de alguma forma para a evolução da espécie humana, o que passa pelo incremento da liberdade com responsabilidade e a realização pessoal, nem que seja de um só indivíduo. Uma vez, que ninguém é dono da Verdade, pois que de outra forma ela não se teria revertido em tantas religiões diferentes.
Misticismo
A palavra Misticismo vem do grego Mystikos que significa mistério (ex: iniciação aos mistérios de Elêusis), tendo Platão concebido a ideia filosófica de Mística como a ascensão da alma à contemplação espiritual do mistério de Deus (Grun 2012).
Muitos são os autores no misticismo tentando dar-nos, através de quadros pintados com palavras, algo, a Realidade, que está para além dos limites com que estas condicionam o pensamento. Mas quadros pintados, mesmo que com palavras, são apenas imagens das coisas criadas. Imagens formadas através da mediação dos nossos limitados sentidos e do filtro do nosso ego, não um conhecimento direto da natureza das coisas. A apreensão do Real só é possível através de uma osmose com a essência que está por trás de tudo, deixando emergir o amor que só irrompe desde as entranhas do nosso ser, quando se atinge um estado de quietude tal, em que a paz é absoluta. Como relata o filósofo e místico pré-cristão Plotino no Tratado de Enéades (ed.2000) a respeito da sua experiência de transe místico – Então, a alma não vê e não distingue pela visão, e não imagina que existem duas coisas; ela se torna outra coisa, deixa de ser ela mesma e de pertencer a si mesma. Ela pertence ao Absoluto e é tão-somente Um com Ele, como dois círculos concêntricos; concorrendo, são apenas Um; mas, uma vez separados, são dois. Na união com o Absoluto, eles não eram dois, mas aquele que percebia era Um com a coisa percebida; em consequência, se uma pessoa pudesse evocar exatamente a memória daquilo que ela foi em sua fusão com o Divino, teria em si mesma uma imagem de Deus . . . Nada se agitaria nela, nem cólera, nem desejo, nem mesmo razão, nem alguma perceção intelectual; numa palavra, nada poderia abalá-la; mas, estando em estado de êxtase, conheceria uma calma inabalável.
A Realidade de que os místicos se referem, é em linguagem religiosa substituída pela palavra Deus (ou numa maneira menos carregada historicamente, como o Absoluto). Mas trata-se principalmente dum Deus Imanente, não dum Deus Transcendente do culto popular oficial. É o Deus que está em toda a parte e no meio de nós, não o Deus personalizado hierárquico e aparte de nós. Por isso, a melhor forma de encontrá-lo é dentro de cada um. Sem necessidade de cair num panteísmo obrigatoriamente. Assim, após as experiencias mais unitivas com a divindade, não perdemos a capacidade de retornar ao nosso eu, e até duma forma mais estruturada, ainda que revestida de maior abnegação e altruísmo. Contudo, este sentir consequente, não acontece por imperativos morais impostos externamente, o Misticismo é neste sentido amoral, a identificação com o Bem o Bom e o Belo advém diretamente da imersão da vontade pessoal na Vontade Transpessoal. No dizer de São Bernardo (Ortega 1990) – como uma gotinha de água derramada em muito vinho parece completamente decomposta e desaquatizada,
tomando o sabor e a força do vinho, como o ferro incandescente se torna totalmente parecido com o fogo que o envolve, e como o ar impregnado de luz solar é transformado nessa clareza iluminadora de forma que menos parece iluminado que luminoso, assim será necessário que, entre os santos (os místicos), todo o desejo humano se funda de maneira inexprimível e se dissolva do eu para ser inteiramente infuso na vontade de Deus, caso contrário, como poderia Deus ser tudo em todos se subsistisse no homem alguma coisa de humano.
Para os místicos, quem não consegue despegar-se do seu ego, a sua perceção da Realidade, tal como numa estória que se conta, equivale à perceção que os quatro cegos junto a um elefante têm sobre este. O primeiro, junto à tromba, diz que um elefante é como um cano macio e maleável; o segundo, junto a uma perna, diz que é como um tronco de uma árvore, robusta e enrugada; o terceiro, junto à barriga, fala de uma parede quente e macilenta; e o último, junto à cauda, compara-o a uma corda com um puxador no final. No caso dos cegos a insuficiência da sua perceção foi devida à ausência dum sentido físico, a visão; no caso de quem permanece na restrição superficial do ego é a ausência dum latente sentido “espiritual”. A contemplação unitiva do Universo está, no entanto, acessível a todos os homens, de acordo com a medida, a força e a pureza do seu desejo, pois sem ela nunca estarão completamente conscientes ou completamente vivos. Não está reservada apenas aos santos ou aos filósofos, tal como o disfrutar do prazer vibrante duma bela música não é reservado apenas aos maestros de filarmónica, ou a beleza dum poema não existe só para os poetas. Ninguém portanto está condenado, a não ser por si próprio, pelo seu orgulho, pela sua indolência ou pela sua perversidade, que conduzem ao que William Blake (ed.2005) denomina como a ilusória “visão de separatividade” que a mente individualista interpõe entre o próprio e o mundo vivo à sua volta. Pois da enorme riqueza de informação, que circunda-nos, apenas uma pequena percentagem, o cérebro e biografia da pessoa “pragmática” seleciona, de maneira a fazer sentido para ela (completando com mecanismos de lógica e dedução). Mas quando, por qualquer razão ou evento, os condicionalismos de perceção da nossa realidade são alterados, e muito do que já rodeava-nos é revelado (não só transpondo julgamentos, mas também em captação de “novos” estímulos sensoriais, como cores e sons, etc…), somos obrigados a reformular os nossos paradigmas de “senso comum”. Daí o poeta Keats (ed.2002) exclamar – Oh, antes uma vida de sensações (mesmo sendo imperfeitos os sentidos) aos pensamentos. Ou outro seu conterrâneo W.Blake (ed.2005) – Se as portas da perceção fossem limpas, tudo surgiria ao Homem como realmente é, Infinito. A Eternidade está connosco convidando-nos a uma perpétua contemplação, mas aquelas portas de Blake estão cheias de teias-de-aranha para ser limpas com industriosa boa-vontade, pois estão carregadas de juízos de valor, preconceitos, medos, desconfianças e indolências, e só depois poderemos encarar a vida como se nascêssemos de novo a cada manhã, a cada hora, a cada momento, e connosco todo o Universo (e as memórias biográficas não sendo apagadas são contextualizadas). Porém, sabemos que para sair da gaiola dourada, que um falso, mas eficaz sentido de segurança, e as nossas convicções ajudaram a construir, iremos pôr-nos face-a-face.
com algo que tememos como ameaçador, e portanto optamos por uma limitada “vidinha em segurança”, em vez duma imersão na Vida, que vai além de tudo o que possamos previamente imaginar. Nem todos têm a coragem, ou estão a um nível de desenvolvimento como Stª Teresa de Ávila (ed.2001) quando diz – Eu não sei se sou eu que vivo (e cada uma de toda a multiplicidade de criaturas) ou se é uma Vida única (o Espírito Santo) que vive através de todos nós. Encontrando-se o género humano em tão diferentes patamares evolutivos não poderíamos deixar de concordar com Ruysbroeck (ed.2013) quando diz – o ignorante, tão cheio de certezas, não vê a mesma árvore que o homem sábio, na sua douta ignorância, contempla. O que distingue então o olhar dos místicos (e dos poetas e artistas) do arrogante subjetivismo do senso-comum (diz Evelyn Underhill ed.2008)? – a Inocência e humildade fazem a distinção, pois esta gente, mantendo-se de sentidos abertos, em pura recetividade, como as crianças, e em perfeita correspondência com a essência das coisas, não pré-julgam nem criticam nada. Ficando permeáveis à rica profusão do campo de múltiplas possibilidades de beleza e facetas do comtemplado. Aprofundando mais e mais o alcance da sua perceção, até a separação entre o eu e o objeto ser transcendida numa fusão com o todo da Realidade, de que são parte. E que lucra então, quem passa pela experiencia de União com um novo Universo muito maior que o antes imaginado, para além da gratificante experiência em si mesma, senão o escapar definitivamente dum tedioso mundo que se assemelha a um Museu, onde tudo está constrangido em classificações e rotulagens, e onde todo o fluir de acontecimentos não etiquetados é ignorado? (responde a mesma autora) - Uma pureza de olhar, escutar e sentir, liberta das significações com que a mente obscurece e distorce um Mundo pleno de fragância e toque, onde uma flor revela o seu mistério e rompe o enclausuramento conceptual da palavra “flor” para se tornar numa comunicação direta de vida com vida.
Claro que o leitor poderá questionar-nos de que até poderá entender que o caminho da Mística não seja o de alcançar a Realidade pelo processo do pensamento (uma vez que este funciona como uma estrutura sujeita a regras gramaticais, é sempre representativo, e os conceitos constroem-se por padrões polarizados, eliminadores da fluidez da continuidade – alto baixo, escuro claro, quente frio . . .), e que compreende que qualquer artista (ou terapeuta) terá pelo menos de desenvolver especialmente o sentido relacionado com a sua arte (o músico a audição, o pintor a visão, o perfumista o olfato, o cozinheiro o paladar o massagista o tacto, ou o trapezista o propriocetivo), mas todos sabemos que os sentidos nos podem iludir (daí a arte do ilusionismo), chegando a haver místicos a quem a desconfiança em relação aos sentidos se tornou a principal crítica na sua obra, como na Nuvem do Não-Saber (anónimo medieval ed.2006). Também sabemos que muitos animais têm um ou outro sentido multiplíssimas vezes superior ao Homem (o cão o olfato, o falcão a visão, o mocho a audição, etc …), o que não significa que sejam místicos, apenas mais adaptáveis ao seu ambiente, existindo os que até captam frequências de som inaudíveis para nós, e outros um diferente espectro das cores; alguns têm até vários órgãos do mesmo sentido especificados para diferentes aspetos deste (ex: as formigas com 5 narizes diferentes, aranha 8 olhos), outros têm sentidos que nem por sombras se assemelham aos nossos (o elefante capta as vibrações do solo; a serpente percebe à distância, suas presas sem as ver, como imanações de calor; o golfinho ou o morcego usam o sonar; o tubarão com as ampolas de Lorenzini no dorso capta os campos elétricos, etc … ). Por outro lado, o Homem através da tecnologia, indiretamente, não cessa de descobrir a existência de muitos fenómenos para-materiais que habitam a Natureza, e os quais sem aparelhos recetores não poderia conhecer (ex: ondas de rádio, de TV, raios X, gama, … e mais recentemente os bio-fotões que ora existem ora não existem, mergulhando no, e emergindo do “vácuo”).
No entanto, o homem no cômputo geral da totalidade dos seus sentidos, e estes têm sempre a ver com a adaptação ao meio (e capacidade de sobrevivência) é sem dúvida, distanciadamente, o mais perfeito (tendo em conta o rácio longevidade/variabilidade de locus de habitat).
O Místico, através da contemplação (com mais foco interior, em busca da essência comum, e não tanto exterior como no poeta), almeja como que uma união de todos os sentidos num só, uma vez que cada um é produto de uma especialização a nível anatómico e nos dá uma faceta da Realidade. Escancarando a captação da globalidade da Realidade, de e para dentro do seu ser, sem as formatações com que as especializações sensoriais a condicionam e filtram, assim ele pode perceber que o que está fora, é igual ao que está dentro, que na verdade essa captação tanto se processa de fora para dentro como de dentro para fora, pois em última instância, transcendendo o paradoxo a nível conceptual, não existe, nem nunca existiu de facto, o fora e o dentro.
Mas se a Ciência procura igualmente a Verdade, o Místico procura-a de uma maneira direta (não por meio de aparelhos) procurando uma visão de conjunto, uma ordem em tudo, adotando uma atitude sintética (ao contrário do cientista analítico, que explora as partes cada vez mais particularizadamente, e para quem o conhecimento tem interesse não apenas por si próprio, mas em vista à sua utilização, não se transcendendo a dicotomia observador/objeto da observação, só até modernamente, dar-se a exceção, com o desenvolvimento da física quântica, que percecionou que a intenção do investigador influencia o comportamento das partículas na “experiência da dupla fenda de Thomas Young”), pois para ele, tal como diz no Bhagavad Gita (ed.2006) – Embora todas as criaturas estejam aparentemente separadas, na realidade, são apenas uma. Todas têm origem na divindade e estão unidas a esta. Quem compreender realmente isto torna-se a divindade e alcança, por esse meio, a libertação.
Mas se pensarmos bem, alargando as fronteiras da autorizada Ecologia, podemos encontrar um caminho para a consciência de Deus no mundo material, se não nos limitarmos a entender, mas também a sentir constantemente que o nosso corpo é constituído pelo mesmo material que nos rodeia em cada partícula do mundo. Permanentemente, como cocriadores, ao mesmo tempo que este mundo nos muda e forma, nós mudamos e formamos o mundo. Somos acontecimentos, mais do que coisas, sob a forma de “formas” aparentemente estáveis. No entretanto, mais ou menos, todas células do nosso corpo (com timings diferentes) são renovadas, num máximo de 7 em 7 anos, mas continuamos a sentirmo-nos os mesmos (ao contrário do paradoxo do carro velho que, aos poucos, vai sendo rearranjado com novas peças, até que alguém resolve agarrar as peças velhas e construir um carro com elas. Qual seria o carro original? O novo de peças velhas ou o velho de peças novas?). Sempre em intercomunicação com a matéria, assimilamos (etimologia: tornamos simile semelhante a nós mesmos) ar pela respiração (descartando dióxido de carbono do corpo), alimentos orgânicos e inorgânicos (digerindo-os e descartando a parte dos componentes não necessitados por nós), pelos poros da pele suamos o sal usado e até trocamos emoções com os ocupantes do ambiente. Os objetos materiais têm vários componentes (ex. alimentação – folha de couve) que se podem decompor em moléculas diferentes (celulose, vitaminas, etc . . . ) estas em átomos (na tabela periódica estão classificados em 103), ainda considerados elementos sólidos, mas estes são constituídos por eletrões, protões e neutrões, que nem se tocam, circundando-se afastados num “vácuo”, mantendo um equilíbrio de cargas opostas que se neutralizam, como minúsculos ímanes . Em suma, cada espécie de matéria é sempre constituída pelos mesmos elementos iguais que, todavia, estão unidos de maneira diferente consoante o átomo. Mas estes três componentes do átomo também são decomponíveis em quarks, que são luz (fotões). Resumindo, o mundo sólido e material, tal como o entendemos, não passa duma ilusão de luz.
Poderá agora o nosso leitor perguntar, que entende até que tudo no Universo possa ser formado da mesma “substância” ou melhor, da mesma ausência de substância, única e equivalente em tudo, e até aceite que por um pleno serenar da mente o místico abra um “canal sensitivo global”, e possa sintonizar espiritualmente esta Realidade última, mas como se explica a sintonização com a Consciência que essa Realidade tenha (considerando-a como a perceção de si mesmo e do entorno, e a persistência do conhecimento acumulado)? - Sabemos que temos consciência como humanos e que esta evoluiu com o armazenar de experiência na adaptação à vida ao longo dos milénios, desde formas mais primitivas até os animais superiores, contudo não a podemos observar numa pedra individualmente. No entanto, também já vimos que somos todos formados pelo mesmo “material” que ela, e se este vai ganhando mais capacidade de consciência à medida que vai aumentando a complexidade das suas interligações, como no nosso caso de indivíduos humanos, podemos pensar que essa capacidade é inerente à própria “matéria”, e a um nível Universal onde a ordem de complexidade é infinitamente superior, poderemos concluir que a sua Consciência nos suplantará de forma incomensurável (Metáfora: a analogia das células do nosso corpo, ignorantes das mais afastadas, com algum grau de consciência, a suficiente para a eficácia da sua função singular para o bem-comum de todo o indivíduo, o qual tem obviamente muito mais consciência, como um todo, maior que a soma das partes, e agora, se transpusermos isto para como cada um de nós sendo também uma célula de um Corpo Universal, podemos imaginar a Consciência que Ele terá - O leitor já se questionou, a respeito da Sabedoria da Natureza, quando por exemplo, após uma guerra faz nascer mais pessoas do sexo masculino? Ou porque é que a partir dum inicial nicho limitado de tipos de animais para um determinado ambiente isolado, se desenvolvem a partir destes, todos os equivalentes aos existentes dos outros lugares, como aconteceu na Austrália com os marsupiais, surgindo ratos, ursos-coalas, lobos e tigres com bolsa marsupial etc ..).
Ervin Laszlo (2013) propõe que aquele “Vácuo”, donde vêm os fotões, não sendo vazio nem passivo, seja de facto um vasto Campo de Informação (como que uma Internet Cósmica), anterior à própria energia (pois esta ainda é uma grandeza física), seja a própria Consciência da Realidade. E a linguagem de intercomunicação de nós com Esta é o Amor (que não é um sentimento, mas uma qualidade do Ser, sem possessividade, sem o apego), como diz o místico setecentista Angelus Silesius (ed.1996) – Nosso Deus é Amor, e tudo vive pelo amor. Como seria feliz o homem que permanecesse constantemente nEle!
Mediunidade.
Este termo designa a comunicação entre humanos (encarnados), habitantes deste plano de existência, com não-encarnados (espíritos, mais corretamente almas) habitantes de outros planos de existência, ou mesmo a influência de alguma maneira, no corpo daqueles pelo espírito destes. A comunicação entre planos diferentes da existência sempre foi praticada, ao longo da História da humanidade, ainda que revestindo interpretações diferentes (com forças naturais ocultas, com os santos desencarnados, com anjos, os deuses ou os orixás, etc . . ). No entanto, a intercomunicação entre iguais (pessoas como nós, que já foram habitantes deste plano) ganhou especial popularidade no séc.XIX. A designação das igrejas que se constituíram subjacentes a esta prática foram chamadas de Espiritualistas, sendo o Espiritismo (de raiz Kardecista) uma delas. Na sua versão anglo-saxónica manteve o nome Espiritualismo, e apresenta diferenças doutrinais em relação àquele. Não se apresenta sob o dogma do cristianismo nem sob a crença na reencarnação. Preconizando uma evolução através planos progressivamente mais refinados, tal como Swedenborg ainda no séc.XVIII (Leonard J. ed.2010), a alma (o espírito individual) passa por várias “mortes” (passagens) que a levam a viver e habitar sucessivamente em planos (dimensões existenciais) mais elevados, não havendo retrocedimento no plano evolutivo. Considerando um sentimentalismo e estreiteza de vistas o se desejar voltar a pisar o chão que já se pisou, mesmo se com o argumento da justiça equitativa, como a teoria da reencarnação no ocidente adotou (no Oriente não é entendida como veículo desejável de evolução, mas como uma prisão a ser quebrada, fruto da ilusão das aparências do mundo da multiplicidade). A experiência na Terra é fundamentalmente da mesma natureza, quer se seja rei ou pedinte. Os sofrimentos, os prazeres, as penas e lutas são inevitáveis em qualquer condição de nascimento, as diferenças são secundárias ao exercício de se ser humano neste plano, isso sim, é o que é igual para todos e realmente o fundamental (Boddinton H. ed.2002). Usando uma analogia geométrica de comparação, somos como semirretas, com um ponto de começo (a nossa conceção na Terra) e o prolongamento ao infinito (através de novas dimensões), só Deus é como a reta, sem princípio nem fim.
Este pressuposto não reencarnacionista e perpetuamente transformista, filosoficamente tem a consequência de libertar-nos de condicionalismos kármicos e soltar o nosso Livre arbítrio, acentuando o sentido de responsabilização e empenho pessoal, e aumentando assim a nossa capacidade de esperança e entusiasmo pelo novo e pela descoberta (a nossa estória não tem fim), e ao mesmo tempo afasta-nos do medo paralisante de investir em experiências e conhecimento de novas dimensões (na mediunidade), pois se esta vida é a primeira (a que permite a criação da multiplicidade do reino animal e vegetal, tal como o conhecemos) e todos os planos seguintes são substancialmente melhores (independentemente de serem mais desafiantes e ricos em complexidade nos equivalentes estruturais e sensoriais), porque mais refinados. Eliminando o pavor das obsessões e possessões pelo contacto do reino espiritual, pois embora humanos menos evoluídos transitem daqui para lá, aí pelo próprio entorno, mais condições terão de ser puxados a progredir. Claro que o desenvolvimento da mediunidade passa sempre por uma atitude de grande firmeza e disciplina, em estarmos vigilantes e não permitirmo-nos simpatizar com vibrações profanas, a começar em nós mesmos. Por princípio, cada indivíduo, tal como todos os outros organismos na Natureza deve crescer e desenvolver-se pelo seu próprio esforço e não pelo dos outros (mesmo quando este existe). O grande aproveitamento do conhecimento obtido neste plano, não é tanto o conhecimento em si, mas o exercício mental e atividade envolvida em obtê-lo. Pois, através da preferencial procura independente pelo conhecimento, o indivíduo desenvolve as suas capacidades e nível de consciência, porque este é o propósito da vida neste plano e seguintes (Leonard J. ed.2010).
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Nota do autor: a popular “terapia de regressão a vidas passadas”, que se tem revelado muito útil na resolução de conflitos internos, é explicada como, ou uma resolução através duma metáfora do subconsciente que o paciente se permite usar, pois tem essa crença, (o terapeuta que tem missão de curar, não de doutrinar, é indiferente que a tenha) ou, uma vez que antes de sermos criados como seres individuais, fizemos parte do Todo, devido às nossas características inatas, teremos mais afinidades empáticas e de acesso (até pelo rumo que demos à nossa vida) com a memória de determinadas vidas humanas já acontecidas e gravadas no tal Campo de Informação (Laszlo E.2013) onde tudo está, e o qual os Hindus chamam os Registos Akáshicos (matematicamente existem atualmente viventes 700 mil milhões, sensivelmente o mesmo número de humanos que já viveram, o que daria direito apenas a uma reencarnação como humano a cada humano neste planeta, e os relatos das inúmeras vidas passadas ocorrem sempre nestes moldes. Sendo que o aumento da população de viventes tende futuramente a superiorizar-se ao de já vividos).
Para o Espiritualismo não existe a dualidade Matéria vs Espírito, pois só existe uma “substância” a que poderíamos chamar, ou matéria que se vai refinando, ou espírito que se vai densificando, por isso, o seu percussor, Andrew Jackson Davis afirma (1857, 1ª publ.) – a inteligência pura é a matéria primordial das coisas, a única e eterna substancia básica dos corpos. A matéria é a extrema expressão do abrandamento do espírito. É só em pura inteligência ou espírito que um ser verdadeiramente se conhece.
No Espiritualismo a mediunidade (de contacto com desencarnados) faz-se sempre de preferência com a mediação dum guia principal (ou guias), ou seja um desencarnado com essa missão e que desenvolve um vínculo privilegiado com o médium. Existem 4 formas de mediunidade: mental, de transe, física e de cura. Na mediunidade mental dá-se uma sintonização (attunement) com as entidades, mantendo o médium o pleno da sua autonomia (a receção da mensagem faz-se mentalmente, mas revestindo uma aparência: de vozes na clariaudiência, imagética na clarividência, ou num sentimento na clarissenciência). Na mediunidade de transe, não existe exatamente uma incorporação (nunca existe), apenas uma outorga voluntária de parte do funcionamento do aparelho psíquico à entidade, e como a mente controla o físico, pode dar-se essa aparência (há vários graus, mas geralmente o médium conserva uma certa consciência). A mediunidade física distingue-se da de transe, não porque deixe de haver transe, mas pela produção de efeitos físicos (materializações, ectoplasma, movimento de objetos etc..). Na mediunidade de cura há uma canalização de energias curativas mediante um guia curador para o médium, e deste para o doente. A mediunidade como atitude passiva, em que a mente e vontade do médium fica subordinada à de um terceiro não pode ser vista como o método derradeiro e desejável de obter conhecimento (seja esse terceiro terreno ou não). O correto é o médium desenvolver estados de consciência, cada vez mais elevados, em que o processo de obtenção de conhecimento, passe pelo seu acesso pessoal às altas esferas da existência, e recebê-lo de seres superiores, mas sempre com o seu juízo crítico e capacidade de avaliação intactos. A mediunidade deve ser progressivamente desenvolvida, como uma capacidade de acesso do médium num processo ascendente, pela sua parte, aos planos espirituais superiores, e não num processo descendente, do mundo espiritual ao nosso, e a diferença é aquilo que mais valor tem no Espiritualismo, o desenvolvimento da autonomia e vontade responsável do indivíduo. E em última instância, alcançando a Verdade na Mente Universal, na imersão da consciência individual nas leis que regem aquela, e não por intermédio dos espíritos (conforme a International Spiritualist Federation, in Leonard J. 2010
Círculos de Desenvolvimento Transliminar
Os Círculos de Desenvolvimento Mediúnico (aqui Transliminar, pois o leque de contacto pretendido extravasa o da origem daqueles) são a técnica mais usada e caracterizadora das igrejas espiritualistas. O desenvolvimento espiritual (espiritualista ou místico) passa por uma transformação do próprio, passando por uma amplificação da sua perceção sobre a Vida, deixando-o menos temeroso da morte, mas sobretudo, com menos medo de viver. O desenvolvimento transliminar passa pela consciencialização de quem nós somos realmente, para então, podermo-nos ultrapassar (Gordon Smith 2009).
Ao transcendermo-nos de ver os factos e coisas do mundo apenas sob a subjacente e habitual pergunta “em que é que isto tem a ver com os meus interesses?” e começarmos a usar os nossos sentidos plenamente, para perceber as coisas e as pessoas, para além sua utilidade ou não, para nós, começaremos a apercebermo-nos que existe muito mais do que antes víamos, e que os outros são muito mais parecidos connosco do que diferentes. Só então começaremos a poder escutar a nossa “voz interior”, que é imensamente mais sábia do que nós (em consciência habitual), e entrar em “diálogo” interdimensional.
O exercício da quietude deliberadamente (tanto de movimentos anatómicos, como da atividade do pensamentos, isto duma maneira tendencialmente não estressada), comum ao misticismo, é uma parte crucial dos Círculos. Estes devem processar-se sempre em grupo e com alguém com alguma experiência (colocando os assentos em círculo, daí a primeira palavra do nome), não se aconselhando ao iniciante a procurar o mergulho espiritual de forma solitária, por razões de segurança pessoal e pelas possibilidades de maior rapidez no desenvolvimento. Os grupos poderão ser abertos (se permitem entrada de novos membros a cada sessão) ou fechados (se não permitem). No Reino Unido as igrejas inscritas na Spiritualist National Union estabelecem listas dos dois tipos, e a tendência é começar-se num aberto, transitando para um fechado. Em contexto laico, como os que viemos a desenvolver, optámos pelos abertos, e a duração das reuniões durava duas horas, sendo a primeira hora, para o diálogo e conhecimento dos membros entre si, debatendo-se várias visões do que seja a espiritualidade e seus aspetos, através da pluralidade religiosa existente no mundo, duma maneira desapegadamente filosófica e não militante de alguma crença particular. Após um curto intervalo, começava-se então o Desenvolvimento propriamente dito. No círculo, logo à partida, cada um deve procurar, para a manutenção da Quietude, estar confortável, não só no sentar (que deve ser com a coluna vertebral direita, para todo o sistema nervoso central estar em harmonia, pois este inclui a medula espinal), como também na sua mente (fazer uma pausa nas suas preocupações diárias, podendo-as retomar mais tarde, caso queira). Para aprofundar essa confortabilidade, o orientador do círculo começa por treinar os participantes numa respiração adaptada do pranayama, em que a inspiração nasal (a plenos pulmões) se fará em tempo normal, seguindo-se uma retenção com tempo sensivelmente superior e depois uma expiração bucal prolongada (5s – 6/7s – 9 ou +s). Esta respiração deverá ser mantida preferencialmente, ao longo de todo o processo (para tal o orientador vai relembrando-a), ativando assim, o sistema nervoso autónomo parassimpático (o batimento cardíaco desacelera e seu ritmo normaliza-se, dá-se a diminuição da pressão arterial, a diminuição da adrenalina, sensação de calma). Os olhos estão fechados, podendo ser alternadamente, orientados a abrir-se para a contemplação da chama duma vela ou dum palito de incenso, continuando a sua perceção residual (mas intensa) alguns momentos depois de fechá-los, e assim permanecerão finalmente, até a conclusão do processo (a chama é apagada).
Uma vez adotada esta respiração, o orientador vai prosseguindo com um relaxamento muscular progressivo, em que sequencialmente são contraídos e descontraídos os diversos grupos musculares (ex: começa-se pelos pés, seguindo as pernas, mãos, braços e ombros, abdómen e peito, costas e pescoço, e finalmente a nuca e rosto). Então, por exercício imagético, que o orientador proporciona, abre-se o “chacra” da coroa (ou o da “3ª visão”) à entrada de energia espiritual, visualizando-a como curadora e luminosa, e que percorrerá lenta e gradualmente todas as células corporais (outorgando-lhes harmonia e organização funcional, e descartando as toxinas), num processo descendente até a sola dos pés, e aí criando raízes que se vão expandindo, penetrando e robustecendo, pela crosta terreste, à medida que então, se vão abastecendo cada vez mais, duma energia telúrica leitosa e vivificante, sendo que esta, vai ascendendo, pelo corpo todo, progressivamente acima. Enquanto o corpo fica completo, neste processo de sanação e limpeza pelas duas energias, pode-se prosseguir então com a outra parte de visualização (esta, contrariamente à precedente, é sempre diferente a cada sessão), em que se leva mentalmente o espírito dos participantes numa viagem imaginária, enriquecida com pormenores que abranjam os vários sentidos (elaborada de acordo com a experiência do orientador e a intuição que ele recebeu das necessidades dos participantes revelada na 1ª hora informalmente), e que culminará num “encontro” em aberto para a construção de cada um (construção que foi alimentada com sugestões positivas e de bem-aventurança). Aí segue-se um tempo (+ ou – 20mn) em contemplação no silêncio (não querendo dizer que não se possa usar para durante todo o processo, uma música baixa e suavemente monótona, como pano-de-fundo) e é neste período que geralmente, acontecem experiências transliminares interiormente (á medida de cada qual).
Após esta fase culminante, o orientador recomeça novamente a induzir a viagem, mas agora em sentido retrocedente, desde o local do “encontro” até o começo da viagem. Logo que regressado o espírito ao local de partida, no corpo, as duas energias ai dão por concluído o seu trabalho de purificação e invertem gradativamente seu sentido, primeiro as raízes esvanecem-se aquando a saída da última onda energética telúrica, e após isto, em cima, o chacra da coroa é fechado também, conscienciosamente, aquando da última onda energética espiritual (muito importante, este fechar final do chacra da coroa que é tradicionalmente o portal de acesso ao mundo espiritual e aos campos energéticos superiores, tal como o foi a sua abertura no início, porque simboliza o controlo voluntário do psiconauta a experiências deste género. Pois não se pretende permitir que a estas ocorrências se deem em contextos desadequados, e para o iniciante, nunca fora dos C.D.M. Daí a necessidade destes serem regulares, semanais ou quinzenais, à mesma hora e dia da semana, e sempre no mesmo local, de maneira a criar um condicionamento com memória fisiológica).
Gradualmente, o orientador faz ainda, uma contagem crescente, até 10, em que vai a cada número, sugerindo e encaminhando o reassumir das capacidades de vigília dos participantes. Uma vez todos de volta, ligam-se as luzes, e um a um compartilha-se as diversas experiências pessoais.
Conclusão
A técnica que temos vindo a implementar desde há 2 anos, os C.D.T. tem servido o desenvolvimento dos objetivos a que nos propusemos, o de as pessoas poderem, duma forma muito personalizada, se aperceberem e entrarem em contacto com uma dimensão mais abrangente da Realidade, e expandirem as suas perspetivas a nível espiritual, para lá do estrito mundo habitual que a sua visão ego centrada e utilitarista permitia, e para lá das limitações de crenças assumidas, mas nunca questionadas.
No espaço contemplativo interior de silêncio, criado nos C.D.T. a experiência mística nunca pode ser garantida (não sendo esta só do divino, mas também de si mesmo), por vezes acontece haver apenas vazio, mas há momentos em que se enche daquele “amor que não reclama posse” e fica-se ausente de imagens, pensamentos, sensações e emoções, sãos e livres de projeções neuróticas, livres do poder das pessoas, das suas cobranças, expectativas e julgamentos de rejeição ou aceitação, mas também livres dos nossos próprios superegos com suas auto expectativas e auto censuras, sem o medo, a raiva, o ciúme ou a preocupação. Neste espaço interno da alma, as ofensas dos outros não podem nos atingir, lá ninguém pode nos ferir, lá encontramos o nosso Eu autêntico.
Ao abrirmos e adaptarmos uma técnica, que provinha duma religião (o Espiritualismo), que já de si se propõe ao contacto com outras dimensões da existência, o mundo das almas individuais desencarnadas, mas portanto ainda na dualidade (do Devir), e ampliarmos as possibilidades do seu alcance até à transcendência da multiplicidade, para o mundo da Unidade (do Ser), conforme ao Misticismo, abrimos também a possibilidade de cada um poder experienciar uma Espiritualidade, praticando-a metodicamente, e transportando os seus frutos, para o dia-a-dia. Sabendo que a sua visão dessa Espiritualidade, pode ser sempre aperfeiçoada, mesmo quando tendo de se libertar de dogmas religiosos, quando a segurança que antes estes lhe davam, deixe de ser intuída, e se torne restringente da expansão da sua consciência, e isto tudo sem a necessidade de ginásticas teológicas justificativas (como o tinham de fazer os antigos místicos). A este propósito, gostaríamos concluir com o que o panenteísta (que vê a Natureza como extensão direta de Deus, onde tudo está) Jakob Bohme escreveu em 1612 (ed.2000) – Nunca acharás um livro no qual mais possas descobrir da sabedoria divina, do que quando vais a um prado viçoso; lá farejarás e provarás do inconcebível poder de Deus.
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